A limitação do uso de créditos de PIS/Cofins, proposta pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta terça-feira (4), afetará significativamente o caixa das empresas e aumentará a carga tributária em alguns setores, segundo especialistas em tributação.
A medida foi adotada pela equipe econômica do governo como forma de compensar a renúncia tributária resultante da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores, além de municípios com menos de 156 mil habitantes.
Os créditos de PIS/Cofins são benefícios fiscais destinados a estimular setores econômicos e reduzir o efeito cumulativo dos impostos. Atualmente, as empresas utilizam esses créditos para abater outros tributos devidos, como os da Previdência, através da “compensação cruzada”. Esse mecanismo reduz a arrecadação do governo, já que o crédito pode ser deduzido do imposto a pagar.
Com a medida anunciada nesta terça, apelidada de “MP do Equilíbrio Fiscal”, os créditos de PIS/Cofins só poderão ser usados para abater o próprio PIS/Cofins. A expectativa do governo é que isso resulte em aumento da arrecadação.
“Isso será um enorme golpe no fluxo de caixa das empresas, eis que ficarão limitadas a utilizar seus créditos líquidos, certos e exigíveis, assegurados por lei”, afirma Mariana Ferreira, do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.
Leonardo Roesler, da RMS Advogados, destaca que a carga tributária pode aumentar. “A não-cumulatividade do PIS/COFINS, se aplicada de forma rigorosa e sem as devidas compensações, pode resultar em um aumento de carga tributária disfarçado, contrariando os princípios de neutralidade e equidade tributária”, afirma.
Representantes do setor produtivo compartilham a mesma avaliação. Em nota à imprensa, a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) afirmou que as limitações no uso de créditos e compensações do PIS/Cofins “vão afetar o fluxo de caixa das empresas, causando impacto em investimentos, na geração de empregos e no crescimento econômico do país”.
A federação destacou que, ao proibir uma compensação cruzada que era permitida por lei há mais de dez anos, a MP gera imprevisibilidade e insegurança jurídica.
Limite a crédito de PIS/Cofins corrige distorção, diz governo
A medida provisória (MP) ainda revoga a possibilidade de empresas que possuem crédito presumido pedirem restituição do imposto, prática comum até então. A Receita Federal justifica que está corrigindo uma distorção, pois o regime não cumulativo não deveria gerar crédito a devolver. Em 2023, a Fazenda restituiu R$ 20 bilhões.
O secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, afirmou que alguns contribuintes se aproveitam dos créditos para pagar alíquotas reais menores de PIS/Cofins. “Em muitos casos, a Receita devolve dinheiro ao empresário e o imposto acaba retornando e financiando a atividade”, disse. O uso dos créditos será limitado e só ocorrerá quando não resultar em uma tributação negativa, após computados os débitos e créditos.
Para Fernanda Terra, do Terra e Vecci Advogados, embora a limitação ao uso de créditos seja conceitualmente correta, é preciso lembrar que a não cumulatividade do PIS e Cofins “é uma não cumulatividade mitigada, delimitada na própria legislação das contribuições”.
“Limitar a compensação e revogar a restituição têm o mesmo efeito de aumento de tributação, pois o tributo que era pago por meio de compensação será feito agora com desembolso de dinheiro, o que acaba onerando a empresa”, explica.
Jose Guilherme Sabino, CEO da Assertif, consultoria especializada na recuperação de créditos previdenciários e fiscais, destaca o efeito cascata na economia. “Vai haver elevação dos custos para as empresas, consequentemente, a redução da lucratividade dos negócios e o aumento dos preços e serviços para o consumidor final”, afirma.
Na prática, para Fernanda Terra, o governo “segue aumentando a tributação, sem nenhum movimento sério para uma reforma administrativa do país”.
Medida incrementa cofres do governo
O governo federal terá uma vantagem financeira com a desoneração da folha de pagamento das empresas e municípios em 2024. Segundo o Ministério da Fazenda, o custo dessa desoneração será de R$ 26,3 bilhões, sendo R$ 15,8 bilhões relativos às empresas e R$ 10,5 bilhões às prefeituras.
Por outro lado, a medida de compensação anunciada pelo Ministério da Fazenda deverá gerar ganhos de R$ 29,2 bilhões no ano. Esses ganhos são divididos em R$ 11,7 bilhões provenientes do crédito presumido não ressarcível e R$ 17,5 bilhões da compensação limitada do PIS/Cofins.
“A medida é positiva e corrige distorções importantes do sistema tributário. Fecha as brechas remanescentes e restringe o uso dos créditos em geral”, avalia Felipe Salto, economista da Warren Investimentos. “Os efeitos fiscais esperados são relevantes e o governo acerta ao seguir esse caminho.”
Segundo o Ministério da Fazenda, em 2023, a maior parte das compensações de débitos previdenciários foi realizada com créditos de PIS/Cofins. A arrecadação com esse imposto foi de R$ 435,7 bilhões, sendo que aproximadamente 86% das compensações foram decorrentes de compensação cruzada para outros tributos.
Segundo o Ministério da Fazenda, em 2023, a maior parte das compensações de débitos previdenciários foi realizada com créditos de PIS/Cofins. A arrecadação com esse imposto foi de R$ 435,7 bilhões, sendo que aproximadamente 86% das compensações foram decorrentes de compensação cruzada para outros tributos.
Os setores mais afetados pela mudança incluem a indústria, o setor farmacêutico, o agronegócio e os exportadores.
O governo não apresentou uma estimativa de impacto setorial da mudança. A Fazenda afirma que não é possível relacionar a medida diretamente com as empresas beneficiadas pela desoneração, o que resultaria em uma situação de “dar com uma mão e retirar com outra”.
“O nosso objetivo é fazer o ajuste fiscal com medidas de justiça, sem aumento de tributos, sem aumento de alíquota e sem criação de tributos”, declarou Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda.
Especialistas apontam que a indústria de manufatura, o setor farmacêutico, o agronegócio, as empresas exportadoras e aquelas com ações na Bolsa de Valores serão os mais afetados. “São notórios pelo uso intensivo de créditos tributários, já que suas operações envolvem cadeias produtivas longas e complexas”, explica o economista Felipe Salto. “A incidência de PIS/Cofins sobre insumos e matérias-primas gera um volume considerável de créditos a serem compensados.”
As exportadoras não pagam PIS/Cofins sobre suas vendas externas, mas acumulam créditos sobre insumos comprados no mercado interno. “Hoje elas já enfrentam desafios para obter ressarcimento de créditos acumulados”, afirma o tributarista. A indústria manufatureira utiliza os créditos tributários para compensar tributos sobre insumos e matérias-primas.
“A restrição da compensação cruzada poderá resultar em um aumento da carga tributária efetiva, afetando a competitividade das empresas no mercado interno e externo”, diz Roesler.
Para ele, as mais prejudicadas serão as pequenas empresas e indústrias. “As limitações vão impactar diretamente empresas menores, que dependem desses créditos para equilibrar suas obrigações fiscais”, afirma. “Mudanças abruptas e restritivas, como as propostas pela MP, geram insegurança jurídica e dificuldades na gestão de caixa das empresas que não possuem grande margem para absorver oscilações fiscais inesperadas.”
Proposta de limitar créditos de PIS/Cofins já enfrenta resistência no Congresso
A proposta apresentada na semana passada à liderança do Congresso já enfrenta resistência significativa. Após o detalhamento do texto pela equipe econômica, Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), criticou duramente a medida. Ele declarou a jornalistas que a Medida Provisória (MP) gera uma “preocupação gigantesca” no setor e demonstra uma “sanha arrecadatória” do governo Lula.
Segundo a Fazenda, a medida foi desenvolvida para cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, a pedido do governo, declarou inconstitucional a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos sem medidas de compensação.
O modelo de desoneração foi instituído em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), e prorrogado diversas vezes com o objetivo de estimular a geração de empregos. Esse modelo de substituição tributária permite que setores intensivos em mão de obra substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Os setores beneficiados pelo programa empregam cerca de 9 milhões de pessoas.
Em 2023, a desoneração foi prorrogada pelos parlamentares, mas foi vetada pelo presidente Lula. Posteriormente, o Congresso derrubou o veto, restabelecendo a desoneração. Em resposta, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e conseguiu, graças a uma liminar do ministro Cristiano Zanin, acabar com a desoneração.
Mais tarde, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegaram a um acordo para manter a desoneração este ano e aumentar progressivamente a cobrança a partir de 2025. O acordo prevê que a alíquota dos setores beneficiados será de 5% sobre a folha de salários em 2025, 10% em 2026, 15% em 2027 e 20% em 2028.